Porque aguardar o trabalho de parto? Mesmo se eu quero fazer uma cesárea?
No Brasil é muito comum agendarmos uma cesárea antes de qualquer sinal do trabalho de parto, não é a toa que o Brasil é o 2º lugar no mundo em percentual de cesarianas. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece em até 15% a proporção de partos por cesariana, no Brasil, esse percentual é de 57%7. Eles representam
40% dos partos realizados na rede pública de saúde . Já na rede particular, chegam a 84% dos partos. Em alguns hospitais passam de 90%.
Os direitos de cada criança começam – e devem ser garantidos – antes mesmo do nascimento. Para tanto, é fundamental que as mulheres tenham acesso ao pré-natal de qualidade e recebam todas as orientações para que
seus filhos possam nascer no momento certo, de forma humanizada.
Qual o momento certo de nascer?
Estudos recentes, publicados pelo The Lancet Series, mostram que o desenvolvimento infantil tem início ainda na concepção e acontece de forma intensa até os 3 anos de vida. Trata-se de uma janela de oportunidade única para investir no desenvolvimento integral e integrado da criança, que inclui: saúde, nutrição, afeto, ambiente seguro, proteção e oportunidades de aprendizagem.
As primeiras ações nesse sentido devem envolver o acesso a um pré-natal de qualidade, acompanhado por profissionais de saúde capacitados, e o direito da mulher e do bebê de esperar o momento certo para o nascimento, que deve acontecer de forma humanizada.
A maneira mais precisa de saber se uma criança está pronta para nascer é esperar que ela mesma dê o alerta. Quando o bebê está pronto, o trabalho de parto se inicia espontaneamente e pode resultar em um parto normal – quando tudo corre bem – ou em uma cesariana, caso seja necessária uma intervenção cirúrgica.
O trabalho de parto é benéfico para a mulher e o bebê. Nesse momento, por exemplo, são liberadas substâncias que ajudam no amadurecimento final do organismo da criança, como o hormônio corticoide, que age no pulmão. Para a mulher, o trabalho de parto ajuda também a liberar hormônios importantes que vão prepará-la para a amamentação.
Quais são os riscos de não esperar o trabalho de parto
Estudos conduzidos nos últimos anos mostram que cada semana a mais de gestação aumenta as chances de o bebê nascer saudável, mesmo quando não há mais risco de prematuridade. As últimas semanas de gestação permitem maior ganho de peso, maturidade cerebral e pulmonar.
Segundo a pesquisa Nascer no Brasil, em 2012, 35% dos bebês analisados nasceram entre a 37ª e a 38ª semana de gestação. Embora não sejam consideradas prematuras, estudos demonstram que essas crianças – aparentemente saudáveis – são mais frequentemente internadas em UTI neonatal, apresentam problemas respiratórios, maior risco de mortalidade e déficit de crescimento.
O grande número de nascimentos entre a 37ª e a 38ª semana de gestação está associado ao elevado número de cesarianas realizadas antes do trabalho de parto espontâneo, particularmente no setor privado – onde metade dos partos realizados ocorrem nesse período.
Estudo realizado em Pelotas com bebês nascidos nos anos 1982, 1993 e 2004, relacionaram a idade gestacional dos nascimentos dos bebês com a mortalidade e morbidade nos seus primeiros quatro anos de vida. Os resultados demonstram que tanto os bebês prematuros como aqueles nascidos na 37ª ou 38ª semana de gestação apresentam risco significativo maior de mortalidade e déficit de crescimento, se comparados os bebês que nasceram entre 39ª e 41ª semana.
Os impactos do nascimento prematuro
Outro ponto de alerta com relação ao momento certo de nascer é o grande número de crianças prematuras no Brasil.
Somente em 2014, 332.992 meninos e meninas (11,2% do total)23 nasceram antes da 37ª semana de gestação no País.
Os números preocupam, uma vez que as complicações relacionadas com a prematuridade são a primeira causa
de mortes neonatais e infantis em países de renda alta e média, incluindo o Brasil.
Estudo mostrou que os principais fatores de risco associados à prematuridade são gravidez na adolescência, baixa escolaridade e pré-natal de baixa qualidade. De acordo com a pesquisa, 61% dos nascimentos prematuros analisados aconteceram de forma espontânea. Os outros 39% decorreram de intervenções obstétricas (indução do parto ou cesariana).
Parto e nascimento humanizados
Esperar o trabalho de parto espontâneo é um dos aspectos fundamentais para garantir um parto e um nascimento humanizados – que envolvem desde o pré-natal, passando pelo parto, até o pós-parto.
Seja normal ou cirúrgico, o parto deve respeitar as expectativas da mulher e levar em conta as condições de saúde dela e do bebê. O conhecimento dos seus direitos e a realização de um pré-natal de qualidade são fundamentais para favorecer a humanização da atenção ao parto e do nascimento.
Características do parto e do nascimento humanizados
Muitos conceitos têm sido adotados para a definição de humanização do parto e do nascimento. Todos têm em comum o respeito à mulher como protagonista do processo e o foco na saúde do bebê.
Algumas das condições para que o parto e o nascimento sejam considerados humanizados:
- O ambiente deve permitir que a mulher participe das decisões que dizem respeito a si e a seu bebê;
- Todo o processo deve ser colaborativo, envolvendo médicos obstetras, obstetrizes, enfermeiras, doulas e outros profissionais;
- A presença de acompanhante de escolha da mulher, prevista em lei, deve ser garantida;
- Os cuidados prestados pelos profissionais de saúde devem estar baseados em evidências científicas e ser compatíveis com a cultura local.
Os cuidados incluem atividades como: acompanhamento pré-natal; controle do bem-estar físico, psicológico, emocional e social da mulher na gestação, no parto e no pós-parto; aconselhamento e atividades educativas desde a gestação até o puerpério; assistência continuada durante o trabalho de parto, no parto e pós-parto imediato; e apoio continuado no pós-parto.
Também é comum que partos e nascimentos humanizados sejam acompanhados por doulas. As doulas não fazem nenhum tipo de procedimento médico.
O seu papel da doula é acompanhar toda a gestação e ajudar a mulher a tomar decisões, proporcionando conforto durante o trabalho de parto: encontrar a melhor posição para o parto, escolher o que comer, etc. – discutindo as diversas possibilidades e alternativas.
As doulas também estão ali para dar tranquilidade e segurança à gestante, encorajando e auxiliando no controle da ansiedade durante o trabalho de parto.
A importância do plano de preferencias para o parto
A mulher deve ser encorajada à escrever seu plano de preferencias para o parto, para ter maior conhecimento sobre o processo, quais são as suas escolhas, quais cuidados deseja para si e para o bebê.
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Alguns procedimentos recomendados:
- Garantir o direito do(a) acompanhante escolhido(a) pela mulher de estar presente em todas as etapas do parto e pós-parto.
- Permitir que a mulher seja acompanhada por uma doula.
- Propiciar um ambiente tranquilo à mulher na hora do parto, respeitando sua privacidade.
- Manter uma comunicação frequente entre a equipe de saúde e a mulher, fornecendo a ela todas as informações e prestando esclarecimentos.
- Fazer somente as intervenções necessárias, visando ao bem-estar da mulher e do bebê, com base em evidências científicas, e mediante autorização da mulher.
- Deixar a mulher livre para se movimentar, beber, comer e tomar banho.
- Disponibilizar à mulher alternativas para reduzir a dor, como banhos aquecidos, massagens relaxantes e técnicas fisioterápicas.
- Discutir com a gestante a introdução de medicamentos para alívio da dor e, se utilizados, haver um cuidado para que não interfiram na liberdade dela de se locomover, nem na eficácia das contrações.
- Só realizar a episiotomia (corte no períneo) com autorização da mulher.
- Usar analgesia, se esse for o desejo da mulher.
- Aguardar que o rompimento da bolsa amniótica aconteça de forma espontânea, e não provocada.
- Permitir que, após o nascimento, o bebê tenha o seu primeiro contato diretamente com a pele do colo da mãe, que já pode oferecer o leite materno.
Procedimentos não recomendados:
- Provocar ou acelerar o parto sem necessidade. A utilização de soro com hormônio (ocitocina) para acelerar o parto raramente é necessária. Se for o caso, a mulher ou a/o acompanhante deve pedir que a equipe de saúde explique as razões. A utilização incorreta desse medicamento pode causar sofrimento para o bebê e risco para a mãe.
- Romper a bolsa de água. Em geral, os partos transcorrem bem e a ruptura da bolsa ocorre espontaneamente, no fim do período de dilatação. Não é preciso rompê-la artificialmente.
- Forçar desnecessariamente a saída do bebê. Não se deve jamais empurrar a barriga da mulher para forçar a saída do bebê. Isso expõe a mulher e o bebê a riscos.
- Fazer episiotomia desnecessária. Não se deve fazer episiotomia de rotina: em vez de proteger o períneo, isso aumenta a chance de complicações e torna o pós-parto mais doloroso, por um período maior.
- Cortar imediatamente o cordão umbilical. Para evitar a anemia nos primeiros seis meses de vida do bebê, o corte do cordão umbilical só deve ser feito quando ele parar de pulsar. A ligadura imediata é indicada em alguns casos, como, por exemplo, se a mãe for soropositiva (viver com o vírus da aids) ou se o sangue da mãe e o do bebê forem incompatíveis (mãe Rh negativo e bebê Rh positivo).
- Deixar de monitorar os batimentos cardíacos do bebê durante o trabalho de parto e no período expulsivo. No entanto, esse monitoramento não precisa ser contínuo.
- Fazer cesariana marcada (eletiva) e desnecessária.
Fonte: Quem Espera Espera – Unicef
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